Renata Cafardo falou sobre os desafios e a situação do jornalismo educacional (Imagem: Fernanda Martinelli)
Por Larissa Nalin e Melissa Borges
Um furo de reportagem é o sonho de qualquer jornalista. E para contar os detalhes de uma matéria exclusiva, a jornalista Renata Cafardo, hoje repórter especial do programa Fantástico, da TV Globo, participou, na noite desta terça-feira, 11 de maio, da 10ª Semana da Comunicação das Faculdades Integradas Rio Branco.
Além de falar sobre o processo de apuração e checagem da matéria que produziu sobre o vazamento da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), em 2009, quando ainda estava no jornal O Estado de S. Paulo , a repórter também falou sobre cobertura jornalística na área da educação em geral. (Clique aqui para ver a matéria)
O ENEM teve sua aplicação cancelada depois de receber do jornal a denúncia de que alguém tinha a posse da prova. Durante o contato, quem estava do outro lado da linha pedia R$ 500 mil para entregar a versão oficial da avaliação. Intrigada, Renata marcou um encontro com a pessoa para o mesmo dia.
Como o chefe de redação não permitiu que ela fosse ao local sozinha, dois fotógrafos e um jornalista acompanharam a repórter. Outra exigência do Estadão foi que fosse gravada a declaração de que o jornal não “compra informações”, já que não estava descartada a possibilidade de a ligação ser um trote.
Apuração e checagem
Renata saiu ao encontro da pessoa que a havia contatado. Chegando ao local combinado, conversou com dois rapazes, sendo que um deles era funcionário da gráfica responsável pela produção das provas do ENEM. Eles insistiram na venda do exemplar, mas Renata, em nome do Estadão, recusou a proposta. O que os rapazes não sabiam é que toda a conversa estava sendo gravada.
A jornalista relembrou: “Comecei a folhear a prova e dei uma olhada nas questões de matemática, mas não ia conseguir decorá-las. Passei para as de português, vi uma bandeira do Brasil, uma tira da Mafalda e uma questão que tratava do [poeta brasileiro] Drummond. Nesse momento, um dos negociantes disse: ‘Você já viu demais”. Foi quando Renata percebeu que todos os indícios apontavam para uma única direção: a prova era autêntica.
O processo de apuraração das informações obtidas no encontro foi determinado em reunião com o diretor-geral do Estadão, da qual também participaram todos os editores-chefes. A repórter ficou encarregada de entrar em contato com o ministro da Educação, Fernando Haddad, a quem informou sobre as questões vistas na suposta prova. O ministro contatou as únicas três pessoas que tinham acesso às questões, e logo se confirmou que elas realmente fazem parte da avaliação oficial.
Em seguida, Reynaldo Fernandes, presidente do INEP - instituto governamental responsável pela elaboração e aplicação do ENEM -, declarou ao jornal que havia 99% de chances de a prova ter sido vazada. De madrugada, quando a última edição do Estadão já estava sendo fechada, chegou à redação a notícia de que a prova do ENEM havia sido cancelada, o que confirmava a denúncia. Com isso, o exame foi adiado e, posteriormente, houve a mudança nas datas de quase todos os vestibulares do País.
Sujeira no ProUni
Além dessa reportagem, que segundo Renata foi a mais importante da sua carreira, ela recentemente foi responsável pela matéria que denunciava a concessão do benefício do ProUni - bolsa de estudos oferecida pelo Governo Federal a universitários de pouca renda - a estudantes da Faculdade de Medicina Uningá, na cidade paranaense de Maringá.
O detalhe é que as bolsistas tinham condições - e muita - de pagar as mensalidades. A pauta, veiculada no Fantástico, repercutiu no país inteiro e fez com que fosse cancelado o benefício concedido arbitrariamente. (Clique aqui e veja a matéria)
“Foi uma matéria muito complicada de fazer”, afirmou a jornalista, ressaltando ainda a dificuldade em abordar os envolvidos de uma maneira que não fosse agressiva. Nessas situações, “o importante é perguntar. Não importa se você não tiver respostas, você tem que perguntar”, ensinou Renata, que trabalhou durante dez anos no Estadão e se especializou, ao longo do tempo, na área educacional.
No jornal, ela chegou ao cargo de chefe de reportagem do caderno “Vida”, sendo responsável pelas matérias sobre educação, saúde, meio ambiente, entre outras. Sem se distanciar da área de educação, manteve o blog “A boa (e a má) educação” por um ano e meio, no portal do próprio jornal. Após essa longa experiência com impresso, decidiu aceitar o desafio de migrar para a TV. Hoje Renatatrabalha na sucursal do Fantástico em São Paulo.
A jornalista, que já recebeu diversos prêmios, entre eles o de Melhor Reportagem concedido pelo próprio O Estado de S. Paulo, em 2009, exatamente pela matéria sobre o vazamento do ENEM, finalizou a palestra chamando a atenção para o fato de que a área da educação não era muito reconhecida pelos jornais, que deixavam sempre a política e a economia nas primeiras páginas. Hoje, segundo Renata, a história é outra: trata-se de m assunto em evidência, porque traz à tona reportagens polêmicas e de interesse geral.